E lá se vai mais um grande livro para o histórico desse blog…

Terminei de ler “O cortiço”. Grande livro, adorei.

Aliás, o projeto Ler Antes de Morrer está passando por uma fase muito boa! O Amante de Lady Chatterley, Incidente em Antares, O cortiço… todos livros de épocas e estilos diferentes, escolhidos assim meio a esmo, e todos muito bons!

Claro que nem tudo são diferenças. Essas três obras têm características comuns, que vão além da grande habilidade dos seus escritores… todas elas tentam ser bastante realistas (mesmo o Incidente em Antares, com seu elemento fantástico), mostrando a vida como ela é.

Nenhuma tem compromisso com um final feliz. Afinal de contas, raramente a vida tem um final feliz, não é verdade? Pelo menos não como nos contos de fadas…

Mas também não pensem vocês que são livros pessimistas, cheios de desgraças, daqueles que a gente quer cortar os pulsos quando acaba de ler… A mim, pelo menos, esses livros não ferraram numa depressão, mas deram assunto para refletir, pensar nos problemas do país, da sociedade…

Para combater os vícios que nos cercam, primeiro é preciso reconhecer que eles existem; só assim seremos capazes de modificar a realidade.

Mas estou filosofando demais. Vou encerrar esse post colocando um trailer com cenas do filme O cortiço, que encontrei no YouTube.

Aproveito para criticar a qualidade do cinema nacional nos anos 70: poxa vida, o cinema americano já fazendo coisas do calibre Star Wars, e a Embrafilme incapaz de sincronizar o som com o movimento das bocas? Deus, parece até novela mexicana…

Até a próxima…

Polícia X Comunidades: relação complicada desde os tempos do Cortiço

Eu já tinha comentado aqui que o cortiço de Aluísio de Azevedo pode ser visto como uma espécie de tataravô das favelas cariocas.

Agora, cheguei a um ponto da leitura que me pareceu incrivelmente parecido com a o confronto entre exército e moradores do morro do Alemão, noticiado em todos os jornais nesta semana. Acompanhem:

Como dá para ver, a relação das autoridades (seja a polícia, seja o exército) nas comunidades carentes, atualmente, é de abandono intercalado por alguns períodos de interferência – geralmente truculenta.

Agora, leiam alguns trechos de O Cortiço e vejam como esta relação de ódio e desconfiança é antiga:

“A polícia era o grande terror daquela gente, porque, sempre que penetrava em qualquer estalagem, havia grande estropício; à capa* de evitar e punir o jogo e a bebedeira, os urbanos invadiam os quartos, quebravam o que lá estava, punham tudo em polvorosa. Era uma questão de ódio velho.”

*à capa = com o pretexto

06/09/2011 – Manifestação no Alemão reuniu cerca de 150 pessoas | Foto: Jadson Marques / Folhapress

“Era impossível invadir aquele baluarte com tão poucos elementos, mas a polícia teimava, não mais por obrigação que por necessidade pessoal de desforço. Semelhante resistência os humilhava. Se tivessem espingardas fariam fogo. O único deles que conseguiu trepar à barricada rolou de lá abaixo sob uma carga de pau que teve de ser carregado para a rua pelos companheiros.”

06/09/2011 – Faixa no Complexo do Alemão: moradores reclamam da ação dos militares (Marco Antônio Cavalcanti/Ag.OGlobo)
“Fez-se logo medonha confusão. Cada qual pensou em salvar o que era seu. E os policiais, aproveitando o terror dos adversários, avançaram com ímpeto, levando na frente o que encontravam e penetrando enfim no infernal reduto, a dar espadeiradas para a direita e para a esquerda, como quem destroça uma boiada. A multidão atropelava-se, desembestando num alarido. Uns fugiam à prisão; outros cuidavam em defender a casa. Mas as praças, loucas de cólera, metiam dentro as portas e iam invadindo e quebrando tudo, sequiosas de vingança.”
O Cortiço, pág. 104 (Ed. Moderna)
6/09/2011- Dona de casa levou um tiro de bala de borracha durante o tumulto no Complexo do Alemão. Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo

* Dica para você que está lendo O Cortiço para o vestibular: se você citar os confrontos entre exército e moradores do Alemão como exemplo da atualidade dessa obra, seu corretor vai adorar…

Personagens: Libório

A tese naturalista de que o meio determina o comportamento dos homens é perceptível também no personagem Libório, o velho mais miserável do cortiço.

No caso dele, porém, as condições precárias da vida no cortiço o transformaram quase num animal, um cão vadio que passa a vida revirando latas de lixo em busca de restos de comida.

Uma das qualidades da literatura naturalista é abandonar tabus da literatura do século XIX, retratando friamente e sem moralismos alguns tipos humanos chocantes, cuja existência a sociedade preferia ignorar: os mendigos, os afeminados, as prostitutas.

“Um tipão, o velho Libório! Ocupava o pior canto do cortiço e andava sempre a fariscar os sobejos alheios, filando aqui, filando ali, pedindo a um e a outro, como um mendigo, chorando misérias eternamente, apanhando pontas de cigarro para fumar no cachimbo, cachimbo que o sumítico roubara de um pobre cego decrépito (…).

E era tão feroz o demônio naquela fome de cão sem dono, que as mães recomendavam às suas crianças todo o cuidado com ele, porque o diabo do velho, quando via algum pequeno desacompanhado, punha-se logo a rondá-lo, a cercá-lo de festas e a fazer-lhe ratices para o engabelar, até conseguir furtar-lhe o doce ou o vintenzinho que o pobrezito trazia fechado na mão.”

O Cortiço, pág. 63 (ed. Moderna)

Um velho mendigo: esta é a imagem que faço de Libório na minha cabeça

Aqui abaixo, transcrevi outra passagem muito legal, que revela o lado animalesco de Libório. Chega a ser assustadora a maneira como Aluísio de Azevedo descreve Libório devorando um pouco de comida e bebida que Rita Baiana lhe dá.

“Ele pôs-se logo a devorar, sofregamente, olhando inquieto para os lados, como se temesse que alguém lhe roubasse a comida da boca. Engolia sem mastigar, empurrando os bocados com os dedos, agarrando-se ao prato e escondendo nas algibeiras o que não podia de uma só vez meter para dentro do corpo.

Causava terror aquela sua implacável mandíbula, assanhada e devoradora; aquele enorme queixo, ávido, ossudo e sem um dente, que parecia ir engolir tudo, tudo, principiando pela própria cara, desde a imensa batata vermelha e grelada, que ameaçava já entrar-lhe na boca, até as duas bochechinhas engelhadas, os olhos, as orelhas, a cabeça inteira, inclusive a sua grande calva, lisa como um queijo e guarnecida em redor por uns pêlos puídos e ralos como farripas de coco.”

Página 63 (ed. Moderna)

Personagens: Jerônimo

Quanto mais eu avanço na leitura, mais fica evidente para mim que eu estava enganada: o personagem João Romão não é o protagonista do livro. Nem o Miranda, nem a Rita Baiana, e nem o Jerônimo, de quem falaremos hoje.

O protagonista de O Cortiço é o PRÓPRIO cortiço. Entender essa ideia é muito importante para sacar o “espírito” da literatura naturalista, que defende a tese de que, assim como acontece nas ciências naturais, o meio determina o comportamento da sociedade.

É um fenômeno muito visível no personagem Jerônimo, um português muito sério e trabalhador que, depois de se mudar para o cortiço, passa por uma verdadeira metamorfose.

Procurando pelo Google Images, eu não encontrei nenhuma ilustração do Jerônimo que me satisfizesse. Então resolvi usar a foto de como o vejo na minha imaginação: como o ator Paulo Rocha, o português bonitão da novela Fina Estampa (é, eu já tinha comentado aqui o meu fraco por novelas… eu não estava brincando não!).

No início da história, Jerônimo é descrito como um exemplo de seriedade e virtude. Dedicado e batalhador, ele tinha se mudado de Portugal para o Brasil com a esposa Piedade para fazer fortuna e retornar à terra. Logo ganhou a confiança do João Romão como administrador da pedreira.

“Jerônimo acordava todos os dias às quatro horas da manhã (…); e, em mangas de camisa de riscado, a cabeça ao vento, os grossos pés sem meias metidos em um formidável par de chinelos de couro cru, seguia para a pedreira.

A sua picareta era para os companheiros o toque de reunir. Aquela ferramenta movida por um pulso de Hércules valia bem os clarins de um regimento tocando alvorada. Ao seu retinir vibrante surgiam do caos opalino das neblinas vultos cor de cinza, que lá iam, como sombras, galgando a montanha, para cavar na pedra o pão nosso de cada dia. E, quando o sol desfechava sobre o píncaro da rocha os seus primeiros raios, já encontrava de pé, a bater-se contra o gigante de granito, aquele mísero grupo de obscuros batalhadores.”

O Cortiço, pág. 53 (ed. Moderna)

Ao cabo de poucos meses, porém, a vida num cortiço brasileiro (e os encantos de Rita Baiana, por quem se apaixona) produzem enorme influência nos modos do sério e trabalhador Jerônimo. Acompanhem:

“Uma transformação, lenta e profunda, operava-se nele, dia a dia, hora a hora, reviscerando-lhe o corpo e alando-lhe os sentidos, num trabalho misterioso e surdo de crisálida. A sua energia afrouxava lentamente: fazia-se contemplativo e amoroso. A vida americana e a natureza do Brasil patenteavam-lhe agora aspectos imprevistos e sedutores que o comoviam; esquecia-se dos seus primitivos sonhos de ambição; para idealizar felicidades novas, picantes e violentas; tornava-se liberal, imprevidente e franco, mais amigo de gastar que de guardar; adquiria desejos, tomava gosto aos prazeres, e volvia-se preguiçoso resignando-se, vencido, às imposições do sol e do calor, muralha de fogo com que o espírito eternamente revoltado do último tamoio entrincheirou a pátria contra os conquistadores aventureiros.

E assim, pouco a pouco, se foram reformando todos os seus hábitos singelos de aldeão português: e Jerônimo abrasileirou-se.

O Cortiço, pág. 79 (ed. Moderna)

A vida no cortiço transformará o comportamento de Jerônimo para sempre. Afinal, para o escritor naturalista, o comportamento humano não passa de reações incontroláveis à influência do meio em que se encontra cada um.

Nesse sentido, os seres humanos são aproximados cada vez mais dos animais – como fica evidente com o personagem Libório, do próximo post. Aguardem!

O Cortiço – personagens: Rita Baiana

Uma das personagens mais conhecidas de O Cortiço.

Espevitada, sensual, independente. Rita Baiana represente a mulata brasileira fogosa, que tem samba no pé e exala cheiro de manjericão.

No cinema, Rita foi vivida por Betty Faria, conhecida por encarnar outras mulheres sensuais da literatura brasileira, como a Tieta do Agreste.

Rita Baiana dançando no cortiço: sempre o centro das atenções

Cercavam-na homens, mulheres e crianças; todos queriam novas dela. Não vinha em traje de domingo; trazia casaquinho branco, uma saia que lhe deixava ver o pé sem meia num chinelo de polimento com enfeites de marroquim de diversas cores. No seu farto cabelo, crespo e reluzente, puxado sobre a nuca, havia um molho de manjericão e um pedaço de baunilha espetado por um gancho. E toda ela respirava o asseio das brasileiras e um odor sensual de trevos e plantas aromáticas. Irrequieta, saracoteando o atrevido e rijo quadril baiano, respondia para a direita e para a esquerda, pondo à mostra um fio de dentes claros e brilhantes que enriqueciam a sua fisionomia com um realce fascinador.

Acudiu quase todo o cortiço para recebê-la. Choveram abraços e as chufas do bom acolhimento.

Por onde andara aquele diabo, que não aparecia para mais de três meses?

— Ora, nem me fales, coração! Sabe? pagode de roga! Que hei de fazer? é a minha cachaça velha!…

— Mas onde estiveste tu enterrada tanto tempo, criatura?

— Em Jacarepaguá.

— Com quem?

— Com o Firmo…

— Oh! Ainda dura isso?

— Cala a boca! A coisa agora é séria!

— Qual! Quem mesmo? Tu? Passa fora!

— Paixões da Rita! exclamou o Bruno com uma risada. Uma por ano! Não contando as miúdas!

— Não! isso é que não! Quando estou com um homem não olho pra outro!

Leocádia, que era perdida pela mulata, saltara-lhe ao pescoço ao primeiro encontro, e agora, defronte dela, com as mãos nas cadeiras, os olhos úmidos de comoção, rindo, sem se fartar de vê-la, fazia-lhe perguntas sobre perguntas:

— Mas por que não te metes tu logo por uma vez com o Firmo? por que não te casas com ele?

— Casar? protestou a Rita. Nessa não cai a filha de meu pai! Casar? Livra! Para quê? para arranjar cativeiro? Um marido é pior que o diabo; pensa logo que a gente é escrava! Nada! qual! Deus te livre! Não há como viver cada um senhor e dono do que é seu!

Personagens: Miranda e dona Estela

A leitura vai bem! O Cortiço tem linguagem simples e direta, mesmo sendo cheio de expressões e gírias do tempo do guaraná de rolha…

Além disso, a história nos prende pelo carisma dos personagens, que se revelam deliciosamente através das fofocas dos habitantes do cortiço.

Um personagem muito interessante é o português Miranda.

Miranda é um próspero comerciante que mora com a família num sobrado muito elegante, localizado bem ao lado do cortiço. De longe, os trabalhadores olham as janelas da casa com admiração; nem mesmo o João Romão não consegue esconder o olhar de cobiça sobre vida de luxos, a postura pedante, a posição social do Miranda e a família.

Mas toda essa respeitabilidade não passa de fachada. A vida do Miranda é um inferno, por mais que ele se esforce para que ninguém perceba isso. O principal problema são as frequentes puladas de cerca da mulher, Dona Estela – filha de um rico fazendeiro com quem ele se casou, sem amor, pensando apenas no dote.

Miranda e Estela se odeiam. Mais que isso, sente repugnância um pelo outro. E a situação não melhorou nada quando dona Estela deu à luz à menina Zulmira…

Agora, vou recorrer mais uma vez aos desenhos do Rodrigo Rosa. São muito legais…

Dona Estela era uma mulherzinha levada da breca: achava-se casada havia treze anos e durante esse tempo dera ao marido toda sorte de desgostos. Ainda antes de terminar o segundo ano de matrimônio, o Miranda pilhou-a em flagrante delito de adultério; ficou furioso e o seu primeiro impulso foi de mandá-la para o diabo junto com o cúmplice; mas a sua casa comercial garantia-se com o dote que ela trouxera, uns oitenta contos em prédios e ações da divida publica, de que se utilizava o desgraçado tanto quanto lhe permitia o regime dotal. Além de que, um rompimento brusco seria obra para escândalo, e, segundo a sua opinião, qualquer escândalo doméstico ficava muito mal a um negociante de certa ordem”.

Odiavam-se. Cada qual sentia pelo outro um profundo desprezo, que pouco a pouco se foi transformando em repugnância completa. O nascimento de Zulmira veio agravar ainda mais a situação; a pobre criança, em vez de servir de elo aos dois infelizes, foi antes um novo isolador que se estabeleceu entre eles. Estela amava-a menos do que lhe pedia o instinto materno por supô-la filha do marido, e este a detestava porque tinha convicção de não ser seu pai.

O Cortiço – personagens: João Romão

É o provável o protagonista da história (digo isso porque eu não sou sua professora da literatura, ainda estou lendo o livro, né…).

Ambicioso e muquirana. Se fosse um filme americano, ele seria o herói: self-made man, veio de Portugal para o Brasil sem um vintém no bolso mas com uma vontade assassina de vencer na vida.

Na adolescência, foi empregado no boteco de outro português. Quando o compatriota voltou para a terrinha, João Romão herdou o negócio.

Aí, emgabelou a negra Bertoleza, a quem ajudou a alforriar (bem, na verdade ele embolsou o dinheiro da alforria que ela levou a vida toda para juntar e falsificou os documentos de libertação). A partir de então transformou-a em sua criada, cozinheira e amante.

Contando os centavos de tudo o que ganhavam ele e a Bertoleza, comprou um terreno aqui, uma área ali, e em poucos anos transformou o antigo botequim em armazém e restaurante; também tornou-se proprietário de uma pedreira e de um populoso, miserável e lucrativo cortiço.

Com toda essa descrição, talvez você já tenha formado aí na sua cabeça uma imagem de João Romão. E aposto qualquer coisa que é igualzinha a ilustração do Rodrigo Rosa, genial desenhista que adaptou vários clássicos da literatura brasileira para os quadrinhos.

Vejam se não é um João Romão é perfeito!“Sempre em mangas de camisa, sem domingo nem dia santo, não perdendo nunca a ocasião de assenhorear-se do alheio, deixando de pagar todas as vezes que podia e nunca deixando de receber, enganando os fregueses, roubando nos pesos e nas medidas, comprando por dez réis de mel coado o que os escravos furtavam da casa dos seus senhores, apertando cada vez mais as próprias despesas, empilhando privações sobre privações, trabalhando e mais a amiga como uma junta de bois, João Romão veio afinal a comprar uma boa parte de uma bela pedreira, que ele todos os dias, ao cair da tarde, assentado um instante à porta da venda, contemplava de longe com um resignado olhar de cobiça.”

O Cortiço, pag. 21 (ed. Moderna)

Esse post é para quem está estudando para o Vestibular…

“E, naquela terra encharcada e fumegante, naquela umidade quente e lodosa, começou a minhocar, a esfervilhar, a crescer, um mundo, uma coisa viva, uma geração, que parecia brotar espontânea, ali mesmo, daquele lameiro, e a multiplicar-se como larvas no esterco.”

Não sou nenhuma especialista em literatura, muito menos professora de cursinho.

Mas acho que se tem um trecho bom para entender o espírito de O Cortiço, obra-prima de Aluísio de Azevedo, é este reproduzido acima.

Lembro-me bem dessas aulas no colégio. O cortiço de Azevedo é “uma coisa viva”, que parece “brotar espontânea”, a “minhocar”, “esfervilhar” e por fim “multiplicar-se como larvas no esterco”.

É muito forte essa imagem, minha gente.

Até parece que o escritor é um cientista de avental e luvas brancas, que está observando uma colônia de bactérias dentro tubo de ensaio. Se ele adiciona um pouco de açúcar, as bactérias se proliferam mais ainda. Se acrescenta vinagre, percebe que metade delas são dizimadas. Então, ele vai anotando tudo metodicamente na sua prancheta, repetindo as experiências até descobrir uma lei universal da natureza.

Pois os escritores como Aluísio de Azevedo, os naturalistas, se sentiam assim mesmo: cientistas.

Para eles, os homens eram exatamente como fungos e larvas cultivados em laboratório: um produto biológico, cujo comportamento é determinado pelas condições externas. Se você coloca larvas em cima de um pedaço de carne, elas se reproduzem. Se você coloca o homem num ambiente social, tipo um cortiço precário, ele também vai apresentar reações instintivas e incontroláveis.

Nas obras do naturalismo, o comportamento humano é determinado pela pressão do ambiente social, familiar, e até pelas características físicas da pessoa. É como se não houvesse espaço nenhum para o livre-arbítrio, a vontade. Em O Cortiço, Aluísio de Azevedo traduz o comportamento explosivo e promíscuo dos moradores como se eles fossem animais criados em jaulas de um circo malcheiroso, ou plantas cultivadas numa estufa abandonada.

“O rumor crescia, condensando-se; o zumzum de todos os dias acentuava-se; já se não destacavam vozes dispersas, mas um só ruído compacto que enchia todo o cortiço… Sentia-se naquela fermentação sanguínea, naquela gula viçosa de plantas rasteiras que mergulham os pés vigorosos na lama preta e nutriente da vida, o prazer animal de existir, a triunfante satisfação de respirar sobre a terra.”

Esse tipo de pensamento, hoje em dia, parece preconceituoso e até absurdo, mas no final do século XIX, era o que havia de mais moderno. A ciência avançava rapidamente, então os estudiosos de todas as áreas – até mesmo história, direito, filosofia – queriam incorporar em suas matérias um método científico, que passou a ser a única forma confiável de obtenção de conhecimento.

O famoso pensador Augusto Comte, pai da Sociologia: para ele, as ciências humanas deviam usas os mesmos métodos das ciências naturais

Na Europa e nas Américas, os intelectuais passaram a ter um confiança quase cega na Ciência. Demoraria muitas décadas para que a humanidade se decepcionasse com o avanço científico – isso aconteceria mais precisamente em 1945, quando o mundo assistiu, estarrecido, o poder destruidor da bomba atômica. Mas até lá, acreditava-se que a ciência levaria à evolução da raça humana.

Charles Darwin: sua teoria da evolução das espécies colocou em cheque a ideia de que Deus criou o mundo em sete dias - de repente, a humanidade sente que pode explicar tudo através da Ciência.

Entre os escritores, não foi diferente. Émile Zola, um dos maiores nomes do naturalismo, descreveu o trabalho de um romancista exatamente como de um cientista:

“O observador apresenta os fatos tais como o observa, assenta o ponto de partida e estabelece o terreno sólido sobre o qual vão mover-se os personagens e desenvolver-se os fenômenos. Então, aparece o experimentador e institui a experiência, quero dizer, faz com que as personagens se movimentem numa história particular para nela mostrar que a sucessão de fatos será tal como exige o determinismo dos fenômenos que se põem em estudo.”

Assim os naturalistas explicavam a miséria, a marginalidade, e até o comportamento criminoso em cidades como o Rio de Janeiro, que começavam a crescer vigorosamente. É por isso que costuma-se dizer que O Cortiço, livro publicado em 1890, é o primeiro romance social da literatura brasileira.

Retrato de Aluísio de Azevedo, que era natural de São Luiz do Maranhão: precursor do movimento naturalista no Brasil

Como um autêntico cientista social, Azevedo chegou a alugar um quarto num cortiço, para “estudar  os mecanismos desta sociedade a fim de fazer vir à tona as leis que a regem”. E o resultado todos já conhecem: uma denúncia impiedosa das péssimas condições de vida nos cortiços, os ancestrais das favelas cariocas.

 

17º livro: O cortiço, de Aluísio de Azevedo

Atendendo a pedidos, resolvi falar dos livros pedidos nos vestibulares!

“O cortiço”, clássico do Naturalismo brasileiro – considerado nosso primeiro romance social – é obra pedida para os vestibulares da USP, UNICAMP, PUC-SP, entre outros.

Vamos à sinopse:

Título: O Cortiço
Autor: Aluísio de Azevedo
Primeira edição: 1890
 

Adaptação do clássico "O cortiço" para os quadrinhos, por Ivan Jaf (roteiro) e Rodrigo Rosa (arte)

Influenciado pela estética de Émile Zola, que se baseia na fidelidade ao real e uma aliança entre literatura e ciência, O cortiço é um dos grandes romances do naturalismo. Os dois primeiros livros de Azevedo, O mulato (1881) e Casa de pensão (1884), já prenunciam a força de suas narrativas, que traçam um painel minucioso, mas também impiedoso, dos últimos anos do Império. Essa fórmula o transforma, durante 13 anos, no primeiro escritor brasileiro a viver exclusivamente de seus textos.

O cortiço ad0ta a ideia naturalista da literatura como um laboratório da vida social. O romance retrata a vida nos cortiços, precárias e promíscuas habitações coletivas que proliferaram com o desenvolvimento urbano. Azevedo conta a história do comerciante português João Romão, homem austero e esperto que, resistindo à indolência dos trópicos, pauta a sua vida pelo desejo de enriquecer. Ele acaba conseguindo o que quer, mas o dinheiro o lança em um grande vazio, já que, ao vencer, abdicou dos prazeres e das coisas do mundo.

Filho de uma relação escandalosa – a mãe, num gesto incomum para a época, abandonou o marido para viver em São Luiz do Maranhão com o vice-cônsul português, pai do romancista -, Azevedo traz no sangue as contradições que se empenhou em retratar.

Jennifer Cooke