Rhett Butler, o galã mais cínico de todos os tempos

Se Scarlett é uma personagem deliciosa pela sua falta de caráter (egoísta e vaidosa parecem palavras fracas para denifi-la), o seu par romântico, Rhett Butler, não fica atrás como herói pouco convencional.

Butler, assim como Scarlett, é filho da aristocrática sociedade sulista norte-americana. Mas, ao contrário dela, ele não se encaixa nas estritas regras de convívio social.

Quando jovem, ele protagoniza um escândalo ao sair para um passeio com uma jovem de família e, perdendo a noção do tempo, só trazendo-a de volta para casa muito depois do que seria considerado um horário decente. O incidente leva a moça à desonra, que culmina num duelo entre seu ofendido irmão e Rhett.

O irmão morre, e Rhett é expulso de casa e do rol dos “homens de bem”.

Não que isso o abale demais. Rhett rapidamente reconstrói a sua vida, se tornando um próspero negociador e jogador profissional. Especializa-se fazer especulações financeiras e levar homens à falência na mesa de pôquer. Um verdadeiro crápula, na visão da sociedade.

Rhett Butler na interpretação de Clark Gable - o primeiro e único ator cogitado para vivê-lo no cinema.

Mas Rhett não se importa em ser um pária. Muito pelo contrário, diverte-se com a expressão escandalizada das matronas e dos senhores quando o vêem. Considera ridículas e medievais as convenções que obrigam os homens a agirem como cavalheiros de capa e espada e as mulheres a fingirem que são ingênuas e ignorantes.

Que é exatamente o que faz com maestria Scarlett O’Hara.

O antagonismo entre os dois é divertidíssimo. Rhett é cínico e despreza as convenções; Scarlett é vaidosa e ama a sociedade que a trata como uma princesa indefesa – muito embora na realidade seja forte, esperta e geniosa.

A cena em que os dois se conhecem é uma das melhores para ilustrar este conflito de valores. O cinema a adaptou muito bem, por isso vale a pena eu colocar o vídeo aqui:

(Mas antes, uma contextualização: nesta cena, Scarlett está indignada ao descobrir que seu amado Ashey Wilkes, que ela pensava fosse perdidamente apaixonada por ela, vai casar com outra. Quebrando todas as regras estabelecidas para uma dama, ela resolve declarar seu amor.)

SCARLETT: Você não quer casar comigo?

ASHLEY: Eu vou casar com Melany.

SCARLETT: Mas você não pode, se você gosta de mim!

ASHLEY: Ah, minha querida, por que você me faz dizer coisas que vão de magoar? Como posso de fazer entender?… Você é tão jovem e inconsequente, você não sabe o que casamento significa!

SACARLETT: Eu sei que eu te amo e que quero ser sua mulher. Você não ama Melany!

ASHLEY: Ela é como eu, Scarlett. Ela é parte do meu sangue, nós nos entendemos.

SCARLETT: Mas você me ama!

ASHLEY: Como é que eu não ia te amar? Você tem a paixão pela vida que eu não tenho. Mas esse tipo de amor não é suficiente para um casamento feliz entre duas pessoas tão diferentes quanto nós somos.

SCARLETT: Por que você não admite, seu covarde? Você tem medo de casar comigo! Você prefere aquela idiotinha que só sabe abrir a boca pra dizer “sim” e “não” e procriar um bando de molengas como ela!

ASHLEY: Não diga essas coisas da Melany.

SCARLETT: Quem é você para me dizer o que fazer? Você me fez acreditar que ia casar comigo!

ASHLEY: Não Scarlett, seja justa. Eu nunca…

SCARLETT: Você fez sim! Vou te odiar até eu morrer! Eu não consigo imaginar nada melhor para fazer do que…

Tabefe.

RHETT: Começou alguma guerra?

SCARLETT: Senhor… o senhor devia ter dado sinal da sua presença.

RHETT: No meio daquela linda cena de amor? Não teria sido de muito bom tom. Mas não se preocupe. Seu segredo está a salvo comigo.

SCARLETT: O senhor não é um cavalheiro.

RHETT: E você, mocinha, não é uma dama. Mas não pense que eu veja algum mal nisso. As damas nunca me agradaram muito.

SCARLETT: Primeiro você me trata de maneira vulgar, depois você me insulta!

RHETT: Eu pretendia te elogiar. E espero ver mais de você quando você estiver livre do encanto do elegante sr. Wilkes. Ele não me parece bom o suficiente para uma moça com a sua… como era mesmo? Sua “paixão pela vida”?

SCARLETT: Como ousa! Você não é digno nem de limpar os sapatos dele!

RHETT: E você vai odiá-lo pelo resto da vida!

tradução (bem) livre

Scarlett, essa assanhada!

Começo a entender o fascínio por Scarlett O’Hara!

Antes de mais nada, quero pedir desculpas aos internautas pela ausência por tantos dias. É o trabalho, a desculpa clássica de todo o paulistano – mas nem por isso menos verdadeira.

Mas o excesso de trabalho não tem me interrompido a leitura! Sempre arranjo um tempinho para ler os livros do blog, principalmente nos longos momentos que passo no metrô. Condução lotada tem suas vantagens.

E tenho ficado cada vez mais encantada por Scarlett O’Hara, a heroína de …E o Vento Levou. Ao contrário de tantas outras heroínas literárias, que são dignas, inteligentes, altruístas… Scarlett não vale nada!

É verdade, gente. Ela é caprichosa, ensimesmada, arrogante. Gosta de ter todos os homens aos seus pés, muito embora considere-os todos uns idiotas. Não tem amigas, porque não confia em nenhuma outra mulher; acredita que todas são suas rivais. Ainda por cima, é ignorante! Despreza os livros e cultura, e considera a vida só vale a pena se a pessoa gostar de caçar e frequentar bailes.

Mas, por algum motivo, tem algo nela que desperta muita simpatia. Eu sinto que, no fundo, ela não é uma pessoa má – apenas se deixa levar por um egoísmo que, na realidade, todos temos dentro de nós. Todos já tivemos momentos em que nos sentimos melhores ou superiores aos outros, seja em beleza, inteligência ou carisma.

Ocorre também que, em vários momentos da vida, nós aprendemos que para viver também é necessário ter humildade. E o mesmo acontecerá com Scarlett.

Ao se apaixonar pelo intelectual Ashley Wilkes, ela percebe que o mundo não gira em torno do umbigo dela. Ashley é tudo que Scarlett desvaloriza: pacífico e generoso; gosta de livros, óperas e filosofia. Mas é também o único homem da região que não se deixa enfeitiçar pela meiguice fogosa dela. E, por isso, se torna irresistível a seus olhos.

No ponto em que estou da leitura, a Guerra Civil americana já começou, e o mundo em que Scarlett cresceu, o aristocrático e frívolo Sul dos Estados Unidos, já começa a se desmilinguir.

Vamos ver por quanto tempo mais ela mantém essa postura altiva e arrogante. Espero que por muito!

Épica cena do juramento de Scarlett

Hoje estava conversando com um professor da faculdade, e ele me comentou que, apesar de já ter ouvido falar muitas vezes, nunca tinha assistido ao … E o Vento Levou.

É natural. Foi a geração dos nossos avós que suspirou por este filme. A maioria das pessoas, hoje, conhece apenas as frases clássicas como “Tomorrow is another day” (“amanhã será outro dia”, dita por Scarlett em momentos de dificuldade) e “Frankly, my dear, I don’t give a damn” (“francamente, minha cara, eu não estou nem aí”, proferida por Rhett). Mas, de maneira geral, as pessoas pensam que é só um dramalhão antigo, uma novelona.

Bom, é aí que se enganam. …E o Vento Levou é um filme verdadeiramente grandioso, grande fonte de inspiração para o cinema atual. A combinação do texto perfeito, da trilha sonora impecável, da fotografia intensa e de personagens fortes produziram cenas capazes de arrepiar qualquer nativo do século XXI.

Vale a pena rever (ou ver) uma dessas cenas. Depois de ver a família e a fazenda devastadas pela guerra (levadas pelo vento…), Scarlett faz um juramento solene. Acompanhem.

Tradução livre: Deus é testemunha. Deus é testemunha que eles não vão me derrotar. Eu vou sobreviver a tudo isso e quando tudo acabar, eu nunca passarei fome outra vez. Nem eu nem ninguém da minha família. Mesmo que eu tiver que mentir, roubar, enganar ou matar, Deus é testemunha de que eu nunca passarei fome outra vez.

…E o Vento Levou e a questão racial nos Estados Unidos

Além de um história de amor, …E o Vento Levou é um retrato na sociedade sulista americana durante a violenta Guerra de Secessão, no século XIX, o que significa que mostra com nitidez as origens da complicada questão racial norte-americana.

Até mesmo o filme de David O. Selznick, que entrou para a história do cinema em 1939, acabou contribuindo também para a história dos direitos dos negros americanos. Isso porque o filme foi o primeiro a render um Oscar a uma atriz negra, Hattie McDaniel, pela interpretação da escrava Mammy, a babá de Scarlett.


Por sua conquista inédita, Hattie se tornou um símbolo. Conquistou espaço nas calçadas estreladas de Los Angeles e até hoje é mencionada como personagem importante na história do orgulho negro norte-americano.

Hoje em dia, a questão racial dos Estados Unidos ainda não está completamente resolvida. Tanto que continua inspirando livros, como A Resposta, de Kathryn Stockett – que, por sua vez, inspirou o filme Histórias Cruzadas, candidato ao Oscar de Melhor Filme este ano.

O longa se passa no início dos anos 1960, no estado americano de Mississipi. Decidida a se tornar uma escritora, a jornalista branca Skeeter Phelan acaba entrando em contato com Aibeleen, uma das muitas empregadas negras submetidas a condições de trabalho humilhantes na casa dos brancos. O que começa como um artigo sobre limpeza doméstica acaba se transformando num livro-denúncia sobre a história de Aibeleen e muitas outras mulheres na mesma situação de marginalidade.

Três candidatas ao Oscar: Emma Stone, Octavia Spencer e Viola Davis

No último dia 29, Viola Davis – que interpreta Aibeleen – venceu o prêmio de melhor atriz pelo Sindicato dos Atores dos EUA, uma espécie de “enquenta” do Oscar.  Mais de 70 anos depois que Hattie McDaniel levou a sua estatueta, Davis é uma prova de que a situação dos negros mudou – mas nem tanto assim.

 

Sinopse: …E o Vento Levou

Autora: Margaret Mitchell
Título original: Gone With the Wind
Primeira edição: 1936
 

Ambientado no estado da Georgia durante a Guerra Civil americana, …E o Vento Levou se tornou (junto com a sua protagonista, Scarlett O’Hara e seu garboso marido, Rhett Butler) um item central da mitologia americana. Ainda que o filme de David O. Selzenick, realizado em 1939, tenha contribuído para imortalizá-lo, o romance de Mitchell já tinha obtido enorme sucesso comercial desde seu lançamento em 1936.

Numa envolvente saga histórica, a trama acompanha Scarlett e seu séquito através de um tumultuado período da história socioeconômica dos Estados Unidos: desde a sociedade agrícola dos anos 1860, representada por Tara, a plantation da família, até os primórdios da industrialização sulina nos anos 1880. (…)

Todavia o livro não é inteiramente isento de polêmica: a simpatia de Mitchell pelos escravagistas sulinos e o idílico retrato que ela faz da sociedade pré-guerra deram azo a um extenso debate cultural (…).

Ainda assim, permanece uma obra ambiciosa e cativante, um fenômeno cultural que não só deu novo rumo ao romance americano, como também exerceu significativo impacto sobre a compreensão que os americanos têm de sua própria história.

Anna Bogen (adaptado)

 

25º livro: …E o Vento Levou

Queria começar o ano de 2012 aqui no blog de forma épica e apoteótica, então nenhum outro livro poderia ter sido escolhido!

Alguns dirão que este não é uma grande obra num ponto de vista literário, artístico. Mas sem dúvida todos concordam que é um ícone da cultura pop, um estrondoso best seller em todo o mundo.

Além disso, escolhi ler este clássico norte-americano por uma razão muito sentimental.

É que eu cresci ouvindo minha vó me contando que esta era a melhor história de todos os tempos, que Scarlett O’Hara é a mais bela e forte heroína que já houve, e que o Clark Gable foi o maior dos galãs.

É claro, dá pra ver que ela falava do livro e do filme como se fossem praticamente a mesma coisa, embora haja grandes diferenças entre os dois.

Mas isso não quer dizer que ela não tenha lido o livro muitas vezes, especialmente na juventude. Minha vó, como eu, era uma leitora inveterada. Aliás, a edição que eu vou ler pertenceu a ela, assim como muitos outros livros que ela deixou para mim, e que eu ainda pretendo ler por aqui…

Dito tudo, mãos à obra!