Quase acabando!

Não é nada fácil ler no fim-de-semana, isso é uma coisa que até eu tenho que admitir.

As distrações são muitas… almoço com a família, programas com as amigas, namorado, a tentação de dormir a tarde inteira (essa sempre  é mais forte do que eu).

Mas hoje eu estou surpreendendo a mim mesma! Estou firme e forte na leitura de Esaú e Jacó, embora meu ritmo com Machado de Assis seja bem mais lento do que o usual. Já estou quase no fim, ufa!

Logo, logo, tem livro novo. Aguardem!

Ilha Fiscal: o último baile do império

“Nenhuma dessas coisas preocupava Natividade. Mais depressa cuidaria do baile da ilha Fiscal, que se realizou em novembro para honrar os oficiais chilenos. Não é que ainda dançasse, mas sabia-lhe bem ver dançar os outros, e tinha agora a opinião de que a dança é um prazer dos olhos. Esta opinião é um dos efeitos daquele mau costume de envelhecer. Não pegues tal costume, leitora. Há outros, também ruis, nenhum pior, este é o péssimo. Deixa lá dizerem filósofos que a velhice é um estado útil pela experiência e outras vantagens. Não envelheças, amiga minha, por mais que os anos te convidem a deixar a primavera; quando muito, aceita o estio. O estio é bom, cálido, as noites são breves, é certo, mas as madrugadas não trazem neblina, e o céu aparece logo azul. Assim dançarás sempre.”

Esaú e Jacó, capítulo XLVIII

 

Estreia de nova série: Livros que você TEM que ler antes de morrer

Olá, queridos!

Minha leitura de Esaú e Jacó finalmente foi retomada, depois das emoções do final de semana. O livro está realmente interessante mas, como aconteceu comigo quase todas as vezes que li Machado de Assis, a leitura é um pouco lenta…

Isso porque o livro é cheio de vai-e-vens e digressões por parte do narrador, o que torna a narrativa não-linear e, portanto, truncada. Além disso, o vocabulário é complexo, exige algumas consultas ao Aurelião (por isso, recomendo ler aquelas edições didáticas, com glossário).

Mesmo assim, repito, está interessante. As ironias do narrador são simplesmente deliciosas. Fazem tudo valer a pena.

Mas não vou entediar vocês comentando cada capítulo lido. Resolvi criar uma nova série aqui no blog:

Livros que você TEM que ler antes de morrer 

Na verdade, estou atendendo a um pedido antigo dos meus amigos que acompanham este blog: recomendações de leituras gostosas, que não sejam necessariamente clássicos – como é a proposta inicial do Ler Antes de Morrer.

Por isso resolvi criar uma série sobre os livros que, mesmo não sendo considerados “os maiores clássicos de todos os tempos”, valem ser lidos: best sellers, livros encontrados ao acaso em sebos, livros lidos nos tempos escola e nunca esquecidos…

Como sempre, só vou falar aqui dos livros que realmente eu li. Seria desonesto recomendar coisas que eu não experimentei, não é mesmo?

Então, preparem-se! A série começa amanhã!

A polêmica do Machado de Assis branco

Recentemente, a Caixa Econômica Federal lançou uma série de anúncios comemorativos do seu aniversário de 150 anos. Numa das propagandas divulgadas na tevê, o maior banco público do Brasil se orgulhava do fato de ter tido correntistas ilustres, como o escritor Machado de Assis.

O problema é que o ator escolhido para interpretar o escritor era branco, enquanto o verdadeiro Machado era negro: neto de escravos alforriados, Machado tinha a pele mulata (aliás, ele nunca foi considerado bonito e dizem até que era meio gago). Muito diferente do Machado “Papai Noel” que apareceu no anúncio da Caixa:

O anúncio gerou tantas reclamações na internet, além de protestos na SEPPIR (Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial), que a Caixa se viu obrigada a colocar uma outra versão no ar, com outro ator no papel de Machado e com direito até a uma retratação “em respeito ao povo brasileiro”.

Que a Caixa cometeu uma terrível gafe, que se tornou ainda mais vergonhosa por partir de uma instituição pública, isso ninguém pode negar.

Agora, eu me pergunto: será que todos que assistiram à primeira versão da propaganda perceberam o “embranquecimento” de Machado de Assis? Eu confesso a vocês que, quando vi pela primeira vez, não notei nada de esquisito no ator que tinham escolhido para interpretar o autor de Esaú e Jacó.

Será que é por que eu sou muito distraída? Ou pior, será que eu sou dessas pessoas alienadas a respeito da discriminação racial que sobrevive no Brasil, mesmo passados 120 anos da abolição?

Não, pessoal, eu posso ter muitos defeitos, mas indiferente a manifestações de racismo ou discriminação eu não sou. Eu percebi a discriminação insinuada na propaganda contra o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, em 2008 (veja qual clicando aqui); acompanhei polêmicas envolvendo anúncios supostamente racistas, como aquela da Dove nos Estados Unidos; e sempre fico chocada com propagandas machistas, como as de cerveja.

O problema, no caso do Machado de Assis, é que o embranquecimento dele é muito anterior à propaganda da Caixa. Machado é branco em quase todas as ilustrações e retratos que se faz dele, inclusive nos livros didáticos:

Talvez tenha sido por isso que eu não estranhei em ver um ator branco interpretando Machado.

Mas o pior de tudo é que, pesquisando um pouquinho na internet, percebi que a tendência de “embranquecer” as personalidades acontece até hoje, quase um século depois do tempo em que os ilustradores achavam inadequado pintar um grande escritor como Machado de Assis como o mulato que ele era.

Aqui neste anúncio, a Beyconcé está quase branca…

Enquanto aqui nesta revista, Gabourey Sidibe (atriz revelada no filme “Preciosa”) está bem mais clarinha…

Os romances interligados de Machado de Assis

É curioso como Machado de Assis gostava de interligar seus personagens em diferentes romances que escrevia.

Em Memórias Póstumas de Brás Cubas, surge o personagem Quincas Borba, grande filósofo que acaba enlouquecendo com as próprias teorias. Machado aproveita a “Teoria do Humanitismo”, que embirutou o Quincas, para compor o personagem Rubião, que vem a ser o protagonista do romance intitulado, providencialmente, Quincas Borba.

Já em Esaú e Jacó, o personagem que “viaja” entre romances é o conselheiro Aires.

Aqui entra uma estratégia narrativa muito peculiar. No início do livro, encontramos uma advertência: a história de Pedro e Paulo teria sido encontrada nos cadernos e diários de um suposto conselheiro Aires, homem sábio que trabalhava com diplomacia. Assim, Machado de Assis seria apenas um “editor” do livro, o sujeito que resolveu publicá-lo.

No entanto, estranhamente, a história não é narrada em 1ª pessoa, como é normal em diários e memórias. É narrada em 3ª pessoa, e mais curiosamente ainda, tem o próprio conselheiro Aires como personagem!

Aí surgem diversas teorias. Quem é o verdadeiro narrador? Será que ele é aquele clássico narrador onisciente, que narra tudo de forma imparcial? Será que é o tal do “conselheiro Aires”, que é só uma figura fictícia? Ou será que Machado inventou esse conselheiro Aires como uma espécie de alter ego, dando a entender que quem está contando a história é ele?

Para complicar ainda mais a confusão entre autor e personagem, o personagem Aires se torna inspiração para Memorial de Aires (1908), o último romance de Machado, considerado um dos mais líricos e introspectivos.

Pois é… são justamente mistérios como esses fazem a complexidade a obra de Machado, capaz de inspirar tanta fascinação até hoje.

Esaú e Jacó: sinopse

Título: Esaú e Jacó
Autor: Machado de Assis
Ano de publicação: 1904

Esaú e Jacó é o penúltimo romance de Machado de Assis. Conforme vimos no último post, o título é extraído da Bíblia, da história dos filhos de de Rebeca e Isaque, que se tornam inimigos irreconciliáveis – entre outras coisas, por causa da forma com que Rebeca protege o gêmeo mais novo, Jacó.

Em Esaú e Jacó, a história se repete. Os gêmeos Pedro e Paulo, apesar de iguais em tudo, têm personalidades incompatíveis. Como bons personagens machadianos, eles não são nem totalmente bons nem maus, mas indivíduos cheios de contradições: “os dois lados da verdade”. Enquanto Paulo é impulsivo e arrojado, Pedro é cauteloso e conservador. Por causa disso, os irmãos crescem num clima de permanente rivalidade.

A situação fica ainda mais insustentável quando os gêmeos se apaixonam pela mesma mulher, Flora. Moça reservada e modesta, de comportamento “inexplicável” segundo o personagem Aires (falaremos mais dele em outros posts), ela não consegue se decidir por nenhum dos dois.

Outra causa de terríveis divergências entre os gêmeos são as convicções políticas: Paulo é republicano e Pedro, monarquista. É bom lembrar que o romance se passa no final do século XIX, durante a efervescência do movimento republicano.

Permeado pelo inconfundível estilo de Machado de Assis, o romance segue uma estrutura não linear, pontuada por flash-backs, observações e comentários do narrador. Uma das características de Machado que mais me deliciam é sua implacável ironia, que torna a história uma grande crônica da vida cotidiana no final do século XIX.

Quando foi publicada, a crítica considerou Esaú e Jacó uma obra menor de Machado de Assis, de qualidade inferior ao trio Memórias Póstumas de Brás Cubas, Quincas Borba e Dom Casmurro. Hoje, porém, a percepção de que Esaú e Jacó é um simples romances de costumes já foi superada. Atualmente, os críticos entendem que esta é uma das obras mais complexas de Machado, e que possibilita as mais diversas interpretações…

Antes de mais nada: quem foram Esaú e Jacó?

Jacó engana o pai passando-se pelo irmão. Tela de Govert Finck.

Ao intitular a história dos gêmeos Pedro e Paulo como Esaú e Jacó, Machado de Assis deixa claro desde o primeiro momento que o leitor está diante da recriação de uma história de amor e ódio entre irmãos que é muito mais antiga.

A Bíblia fala dos irmãos gêmeos Esaú e Jacó nos capítulos 24 a 27 seu primeiro livro, o Gênesis. Por isto, achei importante, antes de começar a ler o livro de Machado, conhecer estas passagens que o inspiraram tão claramente.

Quem estiver curioso pode clicar aqui e ler (é bem facinho, os capítulos da Bíblia são curtos e não cansam de ler pelo computador).

Para facilitar, vou transcrever um resumo que encontrei neste site.

A História de Isaac e Jacó
  1. ESAÚ VENDE O DIREITO DE PRIMOGENITURA
    Isaac casou com Rebeca, neta de Nacor, irmão de Abraão. Deus deu-lhe dois filhos gêmeos. O primeiro era muito peludo, chamou-se Esaú; o segundo recebeu o nome de Jacó. Esaú tornou-se hábil caçador; Jacó gostava de viver na sua tenda.
    Um dia, Jacó havia preparado um prato de lentilhas. Esaú chegou da caça, exausto de fadiga, e disse-lhe: “Dá-me desse legume vermelho porque estou muito cansado!”. Jacó respondeu: “Primeiro dá-me o direito de primogenitura”. Esaú disse: “Estou morrendo de fome. De que me serve o direito de primogênito?”. Jacó continuou: “Jura que me cedes”. Esaú fez o juramento e depois de ter comido e bebido, saiu.
  2. JACÓ É ABENÇOADO EM VEZ DE ESAÚ
    Estando velho e quase cego, Isaac disse a Esaú: “Toma o teu arco, vai à caça e traz-me o guizado de que eu gosto, para eu te abençoar antes de morrer”. Logo que Esaú saiu, Rebeca disse a Jacó: “Meu filho, vai escolher no rebanho dois dos melhores cabritos; com eles farei para teu pai um prato como ele gosta e tu irás levá-lo para ele te abençoar antes de morrer”.
    Depois de ter preparado o prato, Rebeca vestiu a Jacó com as roupas de seu irmão Esaú; cobriu-lhe o pescoço e as mãos com a pele dos cabritos e mandou-o a Isaac, seu pai. O velho mandou Jacó se aproximar, apalpou-lhe as mãos e o pescoço, mas não o reconheceu. Depois de ter comido, Isaac abençoou Jacó e disse: “Deus te dê do orvalho do céu e da ferilidade da terra. As nações hão de inclinar-se diante de ti e tu serás o senhor de teus irmãos. Maldito seja quem te amaldiçoar e bendito quem te abençoar!”.
    Foi assim que Jacó se tornou herdeiro das promessas.
  3. DEUS ABENÇOA JACÓ
    Esaú ficou muito zangado com seu irmão Jacó e queria matá-lo. Jacó soube disso e fugiu para a Mesopotâmia.
    Durante a viagem, viu em sonhos uma escada que ligava a terra ao céu e os anjos de Deus subiam e desciam por ela. No alto estava o Senhor que lhe disse:“Eu sou o Senhor, o Deus de Abraão e Isaac. Dar-te-ei a ti e à tua descendência a terra em que repousas. A tua posterioridade será numerosa como os grãos de areia da praia e num dos teus descendentes serão abençoadas todas as nações”.
  4. JACÓ RECEBE O NOME GLORIOSO DE ISRAEL
    Jacó ficou 20 anos na Mesopotâmia, em casa de seu tio Labão. Por fim, Deus disse-lhe: “Volta para a terra de teus pais e eu estarei contigo”.Jacó obedeceu.
    No caminho, um homem misterioso lutou com ele até pela manhã. E disse-lhe então:“Deixa-me porque já vem vindo a aurora”. Jacó respondeu: “Não te deixarei partir enquanto não me abençoares”. O homem misterioso disse-lhe“Daqui em diante não te chamarás Jacó, mas Israel – que quer dizer guerreiro de Deus – porque se lutaste com tanta valentia com Deus, muito mais forte serás contra os homens”. E o abençoou.
    [Mais tarde, Esaú reconciliou-se com Jacó. Este teve doze filhos: Rúben, Simeão, Levi, Judá, Dan, Neftali, Gad, Aser, Issacar, Zabulon, José e Benjamim. Isaac morreu em Hebron, com 180 anos de idade].

Ah, e como eu sempre faço para ajudar os apressadinhos que visitam este blog, vou colocar também um vídeo do YouTube que resume a história. Muito fofinho:

Pronto. Agora sim, estamos preparados para começar a ler o Esaú e Jacó de Machado de Assis.

 

24º livro: Esaú e Jacó

Atendendo à sugestão da minha amiga Flávia Freitas, e aproveitando a chegada das minhas tão aguardadas férias, resolvi escolher um grande clássico de Machado de Assis: Esaú e Jacó.

Até hoje, do Machado, li apenas Dom Casmurro e Memórias Póstumas de Brás Cubas, além do conto O alienista . Confesso que não foi assim tão fácil, e que não consegui ler nenhum desses livros na primeira tentativa. Talvez tenha sido por falta de vocabulário… a linguagem machadiana realmente exige da gente.

Mas o principal motivo, tenho certeza, foi a falta de maturidade. Machado de Assis é um mestre em explorar o lado psicológico dos seus personagens, os conflitos que corroem a alma ao longo de toda uma vida. Era muita pretensão da minha professora de Português, quando eu tinha apenas 15 anos, esperar que eu ia conseguir apreciar obras como essas…

Claro que estou falando apenas da minha experiência pessoal; é lógico que existe gente que era capaz de apreciar as obras de Machado já na adolescência. Mas a verdade é que na primeira vez que tive contato com elas, achei-as absurdamente chatas, e não consegui terminá-las.

Isto só mudou alguns anos depois, já na faculdade. Certo dia, encontrei aquele Memórias Póstumas que eu tinha abandonado durante o colégio e resolvi tentar de novo. Era umas 11 horas da noite. E, para minha completa surpresa, a leitura fluiu madrugada adentro… terminei a leitura poucos dias depois com a certeza de que aquele era um dos melhores livros que já tinha lido.

Retrato de Machado de Assis, já na maturidade.

Agora, atendendo a sugestões, vou ler Esaú e Jacó. Será que também vou gostar?