Um adeus temporário

Por fim terminei de ler Crime e Castigo. Uma pequena conquista pessoal, já que, como contei aqui, eu tinha tentado começar outras vezes e não tinha conseguido.

Mas sou uma firme defensora de que não existe livros difíceis, existem livros que a gente ainda não tem maturidade para ler.

Sempre que você começar um livro e achar chato e incompreensível, você tem dois caminhos. Pode insistir bravamente, dizendo que “não larga as coisas pela metade”, ou pode deixar para lá. Nos dois casos, é preciso humildade. Não é porque engoliu até o fim (nariz tampado para não sentir o gosto amargo), que você vivenciou de verdade o “livro difícil”. Às vezes ele nem relou direito em você, deu só uns cutucões que você nem sentiu. Li alguns livros da escola desse jeito.

Mas também é preciso ser humilde para interromper a leitura, guardar o livro na estante e dizer carinhosamente para ele: qualquer dia desses a gente se revê. Não tô pronto ainda, mas fica paradinho aí na prateleira, que eu vou voltar. Reli vários livros da escola desse jeito.

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Crédito: Vasiliy Lozhkin.

E com Crime e Castigo também foi assim.

O que no começo parecia tão difícil logo se revelou uma história fascinante, inteligente, e o melhor, com ritmo de novela policial.

Ainda vou voltar a escrever outras vezes sobre este romance, porque esta é uma daquelas obras que a gente relê ao longo da vida, cada vez extraindo um novo significado. Não vai ser dessa vez que Crime e Castigo vai ficar esquecido na estante, para nunca mais voltar a ser aberto…

Gente extraordinária em “Crime e Castigo”

Livro bom é livro que vai se revelando aos poucos.

Acabo de chegar num ponto de Crime e Castigo em que há informações importantes sobre a personalidade do protagonista, Raskólnikov, e a maneira que ele vê o mundo.

Acontece que até agora eu tinha a impressão de que ele era um jovem frágil, impressionável e um tanto arrogante, mas mesmo assim uma pessoa que sabia da importância de obedecer as leis para viver em sociedade. O crime que ele cometeu foi fruto das circunstâncias, ele estava só, sem dinheiro, sem perspectivas, rodeado de miséria…

Enfim. Antes do livro começar, Raskólnikov publicou um texto (e essa é a informação que descobrimos), defendendo em linhas gerais que existem dois tipos de pessoas: as ordinárias e as extraordinárias.

Fiódor Dostoiévski, um autor extraordinário

Fiódor Dostoiévski, um autor extraordinário

Pessoas ordinárias são a maioria das pessoas, que nascem-vivem-e-morrem sem provocar nenhum impacto na sociedade, ou sem realizar nenhum feito que mereça ser lembrado. A essa massa, as leis existem e devem ser seguidas à risca.

Já as pessoas extraordinárias… bom, essas só aparecem de vez em quando. São pessoas tipo Napoleão ou Maomé, elas morrem e o mundo continua reverenciando seus legados. A humanidade é uma antes deles e outra depois.

Desses indivíduos tão únicos e especiais, como se pode esperar que sigam todas as regras e respeitem todas as proibições? Ora, elas só chegaram aonde chegaram porque infringiram tabus, venceram guerras, destruíram inimigos…

Na teoria de Raskólnikov, uma pessoa extraordinária é diferenciada dos demais. Por isso, pode ter a consciência tranquila caso precise “eliminar alguns obstáculos” para atingir um fim mais nobre. Os fins justificam os meios, quando se é uma pessoa extraordinária.

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A fragilidade desse raciocínio é tão evidente quanto perigosa. Como se faz para diferenciar as pessoas ordinárias das extraordinárias? E, a pergunta mais importante: por acaso todas as pessoas não se julgam únicas, especiais e extraordinárias? O que aconteceria se todo mundo achasse que tem direito de passar por cima dos obstáculos que a vida impõe?

Pois é. Aparentemente, Raskólnikov se apoiou nessa teoria para justificar seu crime. E agora, está tentando se ancorar nela para acalmar a própria consciência, o coração que dispara a todo o tempo, os pesadelos… mas sem muito sucesso.

E seguindo a leitura!

Pelas vielas sombrias de “Crime e Castigo”

Em pouco mais de uma semana de leitura, estou apenas na metade de Crime e Castigo

Como qualquer obra escrita há mais de cem anos, e ainda num país tão distante como a Rússia, é um pouco mais difícil de ler. Eu mesma falei no último post que já tinha tentado começar uma vez, para largar logo nas primeiras páginas…

Mas dessa vez, a leitura está fluindo! Descobri que, apesar da linguagem um pouco complicada (não digo difícil, apenas diferente do que estamos acostumados), Crime e Castigo é uma novela empolgante, cheia de personagens fascinantes, idas e vindas e tramas paralelas.

Tudo, evidentemente, gira em torno do protagonista Rodion Raskólnikov e do tal crime que ele comete e pelo qual é penalizado, como indica o próprio título.

Raskolnikov

Raskólnikov é um rapaz como todos nós conhecemos ou já ouvimos falar. Vinte e poucos anos, inteligente e superprotegido pela mãe viúva e irmã devotada, muda-se para a Capital para estudar e ser alguém. Carrega nas costas toda a responsabilidade de crescer na vida e tirar a família da pobreza…

No começo, as coisas parecem que vão bem. Ele mergulha nos estudos com afinco e ainda dá umas aulas particulares para ganhar um dinheiro extra.

Mas não demora para que as dificuldades da vida de estudante derrubem o entusiasmo de Raskolnikóv. A São Petersburgo descrita por Dostoiévski é uma cidade sombria, repleta de vielas e tabernas pestilentas onde perambulam bêbados, adolescentes prostituídas e trabalhadores extenuados. Rapidamente o frágil e introspectivo Raskólnikov mergulha neste ambiente de miséria e pessimismo, sem forças para emergir.

Larga os estudos, as aulas particulares. Os poucos objetos de valor que ainda possui, se vê obrigado a penhorar com uma velha repugnante, que empresta dinheiro tomando objetos pessoais como garantia.

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É nesse ponto da história que começa o livro.

Raskólnikov, já tão empobrecido que anda por aí com aparência de mendigo, está dominado por espécie de transe. A leitura me deu um pouco daquela sensação entre o sono e a vigília, quando não temos certeza se as coisas que estão acontecendo são verdadeiras ou imaginadas. Raskólnikov parece que está preso nessa condição.

É quando descobrimos que ele está atormentado por uma ideia fixa: assassinar a velha agiota, que tanto mal faz às pessoas necessitadas como ele, e usar o dinheiro que ela guarda em casa para alguma finalidade mais nobre…

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É bom que fique bem claro, Raskólnikov não é nenhum psicopata, nem um desses esquizofrênicos que matam porque ouvem ordens imaginadas. Pelo menos não estou tendo esta impressão.

Nem Crime e Castigo, ao contrário do que o título sugere, é um romance que segue a lógica da moral cristã, apresentando o crime seguido de arrependimento, penitência e redenção.

Pela minha leitura até agora, tudo parece muito mais complexo do que isso. Raskólnikov é um assassino, é verdade, mas é também uma pessoa comum, com fraquezas e virtudes, que compreende as leis e procura segui-las, na medida do possível. E o mais perturbador é perceber o quanto às vezes ele é parecido com nós mesmos…

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As imagens que ilustram esse post foram retiradas da animação polonesa “Zbrodnia i Kara” (2000), livremente inspirada em Crime e Castigo. Você pode vê-la por completo clicando aqui. Créditos de Piotr Dumala.

66º livro: Crime e Castigo

Alguns anos atrás, eu li uma reportagem sobre a nova tradução brasileira de Crime e Castigo e cismei que tinha que ler esse livro.

E o negócio custava caro; um lançamento, edição especial, com tradução inédita diretamente do russo para o português, que prometia revelar meandros da história que as antigas traduções do francês obliteravam completamente!… A propaganda foi tão boa que eu desembolsei uma pequena fortuna e levei o livro para casa.

Mas não passei das primeiras páginas. Narração esquisita, nomes compridos (Duniétchka pra cá, Sônietchka pra lá)… uma confusão!

Mas o tempo passou, eu criei este blog e me aventurei a ler outros livros “difíceis”. Acho que já está na hora de dar a Crime e Castigo, obra-prima do russo Fiódor Dostoésvki, uma segunda chance…

Então, vamos lá!

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Ficha técnica:
Crime e Castigo (título original: Prestupleniye i nakazaninye)
Autor: Fiódor Dostoiévski (Rússia)
Primeira Edição: 1866
 

Publicado em 1866, Crime e Castigo é a obra mais célebre de Fiódor Dostoiévski. Neste livro, Raskólnikov, um jovem estudante, pobre e desesperado, perambula pelas ruas de São Petesburgo até cometer um crime que tentará justificar por uma teoria: grandes homens, como César e Napoleão, foram assassinos absolvidos pela História. Este ato desencadeia uma narrativa labiríntica que arrasta o leitor por becos, tabernas e pequenos cômodos, povoados de personagens que lutam para perservar sua dignidade contra as várias formas da tirania.