Tílulo: Venha ver o pôr-do-sol e outros contos (coletânia)
Autora: Lygia Fagundes Telles
Ano de publicação: 1987
Lembro-me como se fosse ontem: numa sonolenta manhã de 2003, a nossa rígida porém divertida professora de Redação na oitava série, que atendia pelo nome de Cândida, nos informou que este livrinho seria a leitura do bimestre.
A professora Cândida era tão temida, e ao mesmo tempo, tão admirada pelos alunos, que ninguém sentia vontade de fazer aquela piadinha óbvia sobre a ligação entre o nome dela e a famosa água sanitária (embora todos fizessem a piada em pensamento).
Minha primeira impressão ao ver a capa do livro foi de desânimo, pois estava na cara de que era um livrinho de crianças. E eu com certeza me sentia muito adulta, no alto dos meus treze anos.
Mas a professora Cândida sabia que nós não éramos mais criancinhas, e jamais nos obrigaria a ler histórias idiotas e fáceis, só para responder a perguntinhas estúpidas no final do bimestre. Aquilo simplesmente não era o perfil da professora Cândida.
Ela queria era nos despertar o prazer da leitura, através dos contos de uma das melhores escritoras brasileiras do século XX. Bom, essa era a minha teoria; outros alunos achavam que o objetivo dela era só nos mandar fazer um conto por nossa própria conta depois, para se divertir esculhambando diante da turma as histórias menos criativas.
Seja lá qual fosse o propósito dela, eu nunca mais me esqueci de Venha ver o pôr-do-sol. Comprei outros livros da Lygia, contos e romances, assisti a palestras dela na faculdade, pedi autógrafos. Até hoje ela é das minhas autoras preferidas. Por isso quero compartilhar com vocês um dos melhores contos que já li na vida. Aproveitem.
Biruta
Lygia Fagundes Telles
Alonso foi para o quintal carregando uma bacia cheia de louça suja. Andava cm dificuldade, tentando equilibrar a bacia que era demasiado pesada para seus bracinhos finos.
– Biruta, eh, Biruta! – chamou sem se voltar.
O cachorro saiu de dentro da garagem. Era pequenino e branco, uma orelha em pé e a outra completamente caída.
– Sente-se aí, Biruta, que vamos ter uma conversinha – disse Alonso pousando a bacia ao lado do tanque. Ajoelhou-se, arregaçou as mangas da camisa e começou a lavar os pratos.
Biruta sentou-se muito atento, inclinando interrogativamente a cabeça ora para a direita, ora para a esquerda, como se quisesse apreender melhor as palavras do seu dono. A orelha caída ergueu-se um pouco, enquanto a outra empinou, aguda e ereta. Entre elas, formaram-se dois vincos, próprios de uma testa franzida do esforço de meditação.
Continue.