Este é o recomeço do nosso blog!
E que melhor maneira de recomeçar alguma coisa do que com uma reconciliação: com a obra O Processo, de Franz Kafka.
Os leitores mais antigos vão se lembrar. Este foi um livro que eu odiei.
E olha é bem raro eu odiar livros. Geralmente eu sou da postura de que toda leitura tem sempre algo a acrescentar. Não importa se é livro clássico, best seller, autoajuda, turma da Mônica, tanto faz: o importante é ler. Aquele papo de professora, sabe, eu realmente acredito nele.
Mas O Processo foi um livro que, a princípio, eu me arrependi de ler. Não sei explicar exatamente por quê. O texto de Kafka colaborou, é claro, ele é muito difícil acompanhar e exige atenção permanente. Mas o que eu lembro de ter me incomodado mais, na verdade, foram as sensações que a leitura provocava em mim.
Você já deve ter sentido algo parecido.
Sabe aquele tipo de pessoa cuja simples presença faz o ambiente ficar desagradável? Como diria aquela sua tia que acredita em espiritismo, o tipo de pessoa que “carrega energias negativas”? Pois O Processo teve este efeito sobre mim: me deixou angustiada, perdida em argumentações que não faziam nenhum sentido, presa num labirinto de palavras – exatamente como na imagem que ilustra essa página.
Bem, um ano depois dessa agonia, que alegria: um professor da faculdade me faz ler de novo!
Não vou mentir. A segunda leitura de O Processo foi tão difícil quanto a primeira. Mas, tenho que dizer… muito melhor.
Ajudou o fato de que, além do romance de Kafka, tivemos também que ler A Lição de Kafka, uma coleção de ensaios e resenhas do tradutor e professor da USP Modesto Carone, o mais importante estudioso brasileiro de Kafka na atualidade.
Nesses ensaios, Carone apresenta algumas das milhões de interpretações possíveis da obra de Kafka em geral: sociológica, política, histórica, psicológica, teológica, enfim.
Claro que é impossível compreender todas. A maioria dos críticos dedicou anos e anos para formulá-las. Mas sempre tem alguma que faz algum sentido para a gente.
No meu caso, foi a teológica. É que, para alguns críticos, o tal “processo” a que o protagonista Josef K. é submetido, condenado e executado nada mais é do que uma metáfora da ação, quase sempre incompreensível, da vontade divina na vida dos homens.
Algumas pessoas mais religiosas do que eu vão dizer que a vontade de Deus não é tão assim injusta e sem sentido quanto a misteriosa máquina estatal que submeteu Josef K. ao agoniante Processo. Questão de fé.
Para mim, a mão divina (que eu nem sei diferenciar direito do “destino”, ou do “acaso”) tem sim um lado indecifrável. Diante do qual somos impotentes. E pior: diante da nossa impotência e incompreensão, começamos a nos sentir culpados das coisas que nos acontecem.
Pois esta foi a minha reconciliação com o romance kafkiano.
Continuo sem gostar muito dele. Mas pelo menos entendi alguma coisa do que ele tem a nos dizer. E espero que esta minha reconciliação, tão improvável, sirva para inspirar você também.
Até a próxima!