Polícia X Comunidades: relação complicada desde os tempos do Cortiço

Eu já tinha comentado aqui que o cortiço de Aluísio de Azevedo pode ser visto como uma espécie de tataravô das favelas cariocas.

Agora, cheguei a um ponto da leitura que me pareceu incrivelmente parecido com a o confronto entre exército e moradores do morro do Alemão, noticiado em todos os jornais nesta semana. Acompanhem:

Como dá para ver, a relação das autoridades (seja a polícia, seja o exército) nas comunidades carentes, atualmente, é de abandono intercalado por alguns períodos de interferência – geralmente truculenta.

Agora, leiam alguns trechos de O Cortiço e vejam como esta relação de ódio e desconfiança é antiga:

“A polícia era o grande terror daquela gente, porque, sempre que penetrava em qualquer estalagem, havia grande estropício; à capa* de evitar e punir o jogo e a bebedeira, os urbanos invadiam os quartos, quebravam o que lá estava, punham tudo em polvorosa. Era uma questão de ódio velho.”

*à capa = com o pretexto

06/09/2011 – Manifestação no Alemão reuniu cerca de 150 pessoas | Foto: Jadson Marques / Folhapress

“Era impossível invadir aquele baluarte com tão poucos elementos, mas a polícia teimava, não mais por obrigação que por necessidade pessoal de desforço. Semelhante resistência os humilhava. Se tivessem espingardas fariam fogo. O único deles que conseguiu trepar à barricada rolou de lá abaixo sob uma carga de pau que teve de ser carregado para a rua pelos companheiros.”

06/09/2011 – Faixa no Complexo do Alemão: moradores reclamam da ação dos militares (Marco Antônio Cavalcanti/Ag.OGlobo)
“Fez-se logo medonha confusão. Cada qual pensou em salvar o que era seu. E os policiais, aproveitando o terror dos adversários, avançaram com ímpeto, levando na frente o que encontravam e penetrando enfim no infernal reduto, a dar espadeiradas para a direita e para a esquerda, como quem destroça uma boiada. A multidão atropelava-se, desembestando num alarido. Uns fugiam à prisão; outros cuidavam em defender a casa. Mas as praças, loucas de cólera, metiam dentro as portas e iam invadindo e quebrando tudo, sequiosas de vingança.”
O Cortiço, pág. 104 (Ed. Moderna)
6/09/2011- Dona de casa levou um tiro de bala de borracha durante o tumulto no Complexo do Alemão. Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo

* Dica para você que está lendo O Cortiço para o vestibular: se você citar os confrontos entre exército e moradores do Alemão como exemplo da atualidade dessa obra, seu corretor vai adorar…

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