Esse post é para quem está estudando para o Vestibular…

“E, naquela terra encharcada e fumegante, naquela umidade quente e lodosa, começou a minhocar, a esfervilhar, a crescer, um mundo, uma coisa viva, uma geração, que parecia brotar espontânea, ali mesmo, daquele lameiro, e a multiplicar-se como larvas no esterco.”

Não sou nenhuma especialista em literatura, muito menos professora de cursinho.

Mas acho que se tem um trecho bom para entender o espírito de O Cortiço, obra-prima de Aluísio de Azevedo, é este reproduzido acima.

Lembro-me bem dessas aulas no colégio. O cortiço de Azevedo é “uma coisa viva”, que parece “brotar espontânea”, a “minhocar”, “esfervilhar” e por fim “multiplicar-se como larvas no esterco”.

É muito forte essa imagem, minha gente.

Até parece que o escritor é um cientista de avental e luvas brancas, que está observando uma colônia de bactérias dentro tubo de ensaio. Se ele adiciona um pouco de açúcar, as bactérias se proliferam mais ainda. Se acrescenta vinagre, percebe que metade delas são dizimadas. Então, ele vai anotando tudo metodicamente na sua prancheta, repetindo as experiências até descobrir uma lei universal da natureza.

Pois os escritores como Aluísio de Azevedo, os naturalistas, se sentiam assim mesmo: cientistas.

Para eles, os homens eram exatamente como fungos e larvas cultivados em laboratório: um produto biológico, cujo comportamento é determinado pelas condições externas. Se você coloca larvas em cima de um pedaço de carne, elas se reproduzem. Se você coloca o homem num ambiente social, tipo um cortiço precário, ele também vai apresentar reações instintivas e incontroláveis.

Nas obras do naturalismo, o comportamento humano é determinado pela pressão do ambiente social, familiar, e até pelas características físicas da pessoa. É como se não houvesse espaço nenhum para o livre-arbítrio, a vontade. Em O Cortiço, Aluísio de Azevedo traduz o comportamento explosivo e promíscuo dos moradores como se eles fossem animais criados em jaulas de um circo malcheiroso, ou plantas cultivadas numa estufa abandonada.

“O rumor crescia, condensando-se; o zumzum de todos os dias acentuava-se; já se não destacavam vozes dispersas, mas um só ruído compacto que enchia todo o cortiço… Sentia-se naquela fermentação sanguínea, naquela gula viçosa de plantas rasteiras que mergulham os pés vigorosos na lama preta e nutriente da vida, o prazer animal de existir, a triunfante satisfação de respirar sobre a terra.”

Esse tipo de pensamento, hoje em dia, parece preconceituoso e até absurdo, mas no final do século XIX, era o que havia de mais moderno. A ciência avançava rapidamente, então os estudiosos de todas as áreas – até mesmo história, direito, filosofia – queriam incorporar em suas matérias um método científico, que passou a ser a única forma confiável de obtenção de conhecimento.

O famoso pensador Augusto Comte, pai da Sociologia: para ele, as ciências humanas deviam usas os mesmos métodos das ciências naturais

Na Europa e nas Américas, os intelectuais passaram a ter um confiança quase cega na Ciência. Demoraria muitas décadas para que a humanidade se decepcionasse com o avanço científico – isso aconteceria mais precisamente em 1945, quando o mundo assistiu, estarrecido, o poder destruidor da bomba atômica. Mas até lá, acreditava-se que a ciência levaria à evolução da raça humana.

Charles Darwin: sua teoria da evolução das espécies colocou em cheque a ideia de que Deus criou o mundo em sete dias - de repente, a humanidade sente que pode explicar tudo através da Ciência.

Entre os escritores, não foi diferente. Émile Zola, um dos maiores nomes do naturalismo, descreveu o trabalho de um romancista exatamente como de um cientista:

“O observador apresenta os fatos tais como o observa, assenta o ponto de partida e estabelece o terreno sólido sobre o qual vão mover-se os personagens e desenvolver-se os fenômenos. Então, aparece o experimentador e institui a experiência, quero dizer, faz com que as personagens se movimentem numa história particular para nela mostrar que a sucessão de fatos será tal como exige o determinismo dos fenômenos que se põem em estudo.”

Assim os naturalistas explicavam a miséria, a marginalidade, e até o comportamento criminoso em cidades como o Rio de Janeiro, que começavam a crescer vigorosamente. É por isso que costuma-se dizer que O Cortiço, livro publicado em 1890, é o primeiro romance social da literatura brasileira.

Retrato de Aluísio de Azevedo, que era natural de São Luiz do Maranhão: precursor do movimento naturalista no Brasil

Como um autêntico cientista social, Azevedo chegou a alugar um quarto num cortiço, para “estudar  os mecanismos desta sociedade a fim de fazer vir à tona as leis que a regem”. E o resultado todos já conhecem: uma denúncia impiedosa das péssimas condições de vida nos cortiços, os ancestrais das favelas cariocas.

 

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